Ferdinand von Saar

Candelabro aceso para Ferdinand Ludwig Adam von Saar
(1833 - 1906).



Escritor e poeta austríaco. Do final do século XIX foi um dos maiores da literatura de língua alemã ao lado de Marie von Ebner-Eschenbach. Nasceu a 30 de setembro de 1833, em Viena. Morreu na mesma cidade a 24 de julho de 1906.

Convocado contra sua vontade para servir o Exército, desertou após a Campanha da Itália. Porém, naquele período, ligou-se ao poeta Stephan Millenkovics, então colega de regimento. Com a influência do amigo e após viagem com ele realizada a Roma, iniciou-se na literatura com dificuldades editoriais e muita antipatia da crítica. Só a partir de 1877 o grande público acabou por descobrir seu trabalho e alguma fama lhe veio. Casou-se e passou a viver de seus textos.  

Impregnada de pessimismo, suas novelas principais compreendem: "Inocente quadro da vida real" (1866); "O imperador Henrique IV" (1872); "Mariana" (1873); "Os dois De Witt" (drama, 1875); "Tempestade" (drama, 1880); "O tenente Burda" (1882); "Seligman Hirsch" (1885); "Os trogloditas" (1890); "Elegias vieneses" (1895) etc. É lembrado especialmente pelo poema que dedicou à Peônia, uma flor que, dentre outros nomes, é chamada de "rosa-de-pentecostes".

Após alguma estiagem criativa e complicadas dificuldades financeiras, a esposa contraiu doença incurável cujos sofrimentos a levaram ao suicídio em 1884. 

Ferdinand passou seus últimos dias deprimido em Viena, materialmente depauperado e sofrendo de câncer quando resolveu por findar com a própria vida disparando com um revolver contra a cabeça.


Poesia:

Pfingstrose

Verhaucht sein stärkstes Düften
Hat rings der bunte Flor,
Und leiser in den Lüften
Erschallt der Vögel Chor.

Des Frühlings reichstes Prangen
Fast ist es schon verblüht –
Die zeitig aufgegangen,
Die Rosen sind verblüht.

Doch leuchtend will entfalten
Päonie ihre Pracht,
Von hehren Pfingstgewalten
Im tiefsten angefacht.

Gleich einer späten Liebe,
Die lang in sich geruht,
Bricht sie mit mächtgem Triebe
Jetzt aus in Purpurglut.
 
Fotos:











Na primeira imagem a sua máscara mortuária, e na inferior
o poeta já falecido (nota: vê-se a faixa colocada em sua cabeça
após o disparo que o levou à morte).

 Túmulo do poeta.
 

Mário de Sá-Carneiro

Candelabro aceso para Mario de Sá-Carneiro 
(1890 - 1916)



Poeta e novelista português. Nasceu a 19 de maio de 1890, em Lisboa. Morreu em 26 de abril de 1916, em Paris. 
Filho único de um engenheiro, a mãe lhe morrera quando tinha dois anos de idade. Após infância e adolescência marcadas por solidão e sofrimentos, em 1912 partiu para Paris para estudar Direito na Sorbonne, que jamais concluiria. Às dificuldades materiais, somaram-se as emocionais. Fernando Pessoa (1888 - 1935) foi seu amigo e o único a ajudá-lo, havendo farta correspondência deste período entre ambos. 

Autor de “Princípio” (prosa, 1912); “Dispersão” (poesia, 1914), “A Confissão de Lúcio” (1914), “Céu em fogo” (1915), “Indícios de ouro” (póstumo, 1937). Ainda em 1913 - e pelas mãos de Fernando Pessoa -, juntou-se a autores modernistas para lançar a revista Orpheu. Sua obra poética (1913-16) foi publicada postumamente com os títulos “Poesias completas” e “Cartas a Fernando Pessoa”, além de “Primeiros contos”, aparecido em 1999. Deixou ainda dois textos para teatro: “Amizade” e “Alma”. 
Aos 26 anos incompletos, retornou a Paris, onde sofreu uma crise moral e financeira, abandonou os estudos, brigou com o pai e passou a levar a vida boêmia da cidade. Porém, desesperado e deprimido, chamou o amigo José de Araújo para testemunhar seus últimos momentos, trancou-se em seu quarto, no Hotel Nice em Montmartre (Paris), vestiu um smoking, deitou-se e envenenou-se com cinco frascos de arseniato de estricnina. Conta-se que, obeso por natureza, seu corpo ficou monstruosamente inchado, não cabendo no caixão que para ele se encomendou. Antes de se matar, enviou poesias inéditas a Pessoa que apareceram em 1937, com o título de “Indícios de Oiro”. 


Carta de despedida de Mário de Sá-Carneiro a seu amigo e também poeta Fernando Pessoa:



Meu querido Amigo.

A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de
Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e
qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas «cartas
de despedida»... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero:
o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha
a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias –
ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a
meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo
há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte
sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os
mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente,
às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. [...]


Mário de Sá-Carneiro, carta para Fernando Pessoa, 31 de Março de 1916. 

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Texto de Fernando Pessoa para o amigo morto:


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO 

(1890-1916) 

Atque in perpetuum, frater, ave atque vale! 
CAT . 

Morre jovem o que os Deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os Deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares. Quem ama, ama só a igual, porque o faz igual com amá-lo. Como porém o homem não pode ser igual dos Deuses, pois o Destino os separou, não corre homem nem se alteia deus pelo amor divino; estagna só deus fingido, doente da sua ficção.

Não morrem jovens todos a que os Deuses amam, senão entendendo-se por morte o acabamento do que constitui a vida. E como à vida, além da mesma vida, a constitui o instinto natural com que se a vive, os Deuses, aos que amam, matam jovens ou na vida, ou no instinto natural com que vivê-la. Uns morrem; aos outros, tirado o instinto com que vivam, pesa a vida como morte, vivem morte, morrem a vida em ela mesma. E é na juventude, quando neles desabrocha a flor fatal e única, que começam a sua morte vivida.

No herói, no santo e no génio os Deuses se lembram dos homens. O herói é um homem como todos, a quem coube por sorte o auxílio divino; não está nele a luz que lhe estreia a fronte, sol da glória ou luar da morte, e lhe separa o rosto dos de seus pares. O santo é um homem bom a que os Deuses, por misericórdia, cegaram, para que não sofresse; cego, pode crer no bem, em si, e em deuses melhores, pois não vê, na alma que cuida própria e nas coisas incertas que o cercam, a operação irremediável do capricho dos Deuses, o jugo superior do Destino. Os Deuses são amigos do herói, compadecem-se do santo; só ao génio, porém, é que verdadeiramente amam. Mas o amor dos Deuses, como por destino não é humano, revela-se em aquilo em que humanamente se não revelara amor. Se só ao génio, amando-o, tornam seu igual, só ao génio dão, sem que queiram, a maldição fatal do abraço de fogo com que tal o afagam. Se a quem deram a beleza, só seu atributo, castigam com a consciência da mortalidade dela; se a quem deram a ciência, seu atributo também, punem com o conhecimento do que nela há de eterna limitação; que angústias não farão pesar sobre aqueles, génios do pensamento ou da arte, a quem, tornando-os criadores, deram a sua mesma essência? Assim ao génio caberá, além da dor da morte da beleza alheia, e da mágoa de conhecer a universal ignorância, o sofrimento próprio, de se sentir par dos Deuses sendo homem, par dos homens sendo deus, êxul ao mesmo tempo em duas terras.

Génio na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito amor.

Mas para Sá-Carneiro, génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In qua scribebat, barbara terrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o quiseram assim.

1924 

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Algumas poesias de Mário de Sá-Carneiro: 



Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

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Quase


Um pouco mais de sol ? eu era brasa,
Um pouco mais de azul ? eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d´asa?
Se ao menos eu permanecesse aquém..

Assombro ou paz? Em vão? Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho ? ó dor! ? quase vivido?

Quase o amor, quase o triunfo e a chama.
Quase o princípio e o fim ? quase a expansão?
Mas na minh´alma tudo se derrama?
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo? e tudo errou?
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim? -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou?

Momentos d´alma que desbaratei?
Templos aonde nunca pus um altar?
Rios que perdi sem os levar ao mar?
Ânsias que foram mas que não fixei?

Se me vagueio, encontro só indícios?
Ogivas para o sol ? vejo-as cerradas;
E mãos d´herói, sem fé, acobardadas.
Puseram grades sobre os precipícios?

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí?
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi?

Um pouco mais de sol ? e fora brasa.
Um pouco mais de azul ? e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe d´asa?
Se ao menos eu permanecesse aquém?

Paris, Maio de 1913 
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Além-tédio


Nada me expira já, nada me vive ---
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...


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Álcool


Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo ---
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante ---
Manhã tão forte que me anoiteceu. 


Imagens:


Estátua em memória do poeta. 

  





Edição de seu conto mais famoso "A Confissão de Lúcio"
de 1914. 

Rascunho à mão.

Vídeo:

Abaixo a versão de Adriana Calcanhoto para a poesia
"O Outro" de Sá-Carneiro:



Link recomendado:

Para download da obra "Confissões de Lúcio":

- Divulgação do blog e da página de Facebook.


Os colegas que acompanham o Suicidário podem nos ajudar divulgando nosso blog (www.osuicidario.blogspot.com.br) ou a nossa página de Facebook (facebook.com/osuicidario) por intermédio desta imagem abaixo. 


Mors melior Vita.

Karl Plattner

Candelabro aceso para Karl Plattner
(1919 - 1986)


Artista plástico italiano e radicado por alguns anos no Brasil. Nascido em Malles Venosta (Bolzano), Itália, em 1919. Morreu em Milão, a 8 de dezembro de 1986.

Oriundo de antiga família alemã cujo nome se associava a famosos fabricantes de armadura no século XV, após viver uma juventude como pastor de ovelhas em sua região, iniciou-se na pintura como autodidata. A partir de 1946 estudou em Florença e Milão, indo a Paris em 1948 tomar aulas com André Lhote (1885 - 1962) e inscrevendo-se na academia de Grande Chaumiére.

Com sua mulher Marijô (Marie-Joseph) veio ao Brasil em 1952, a convite do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde realizou uma individual, passando a habitar até 1958, ali participando de grandes atividades e acabando por socar o crítico Geraldo Ferraz (1905 - 1979), então um dos corifeus da crítica paulista, com quem não simpatizava. Depois, regressou à Itália.

Aqui, lecionou, expôs e divulgou sua arte figurativa de cunho expressionista, tendo como alunos artistas que se destacaram, como o artista plástico brasileiro Wesley Duke Lee (1931- 2010), que se tornou seu único pupilo.

Em 1951, expôs em Merano, Itália; depois na Biennale del Mare, em Gênova. Enquanto no Brasil, participou do Salão Nacional de Arte Moderna, em 1952, recebendo certificado de isenção do júri; Salão Paulista de Arte Moderna; II Bienal de São Paulo (1953); Bienal de Veneza (1954); III Bienal de São Paulo (1955) etc.

Em 1956, realizou o grande painel decorativo para o saguão do jornal Folha de São Paulo. Expôs individualmente dezenas de vezes e em vários países. Por fim, retornou à terra natal, onde desenvolveu importante e curioso trabalho em afrescos e pinturas murais, como o da Camara Communale local.

Deprimido com problemas  pessoais de saúde, sérios questionamentos religiosos e após três tentativas, a 8 de dezembro de 1986 suicidou-se em Milão, cortando os pulsos com uma gilete.


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